terça-feira, 17 de junho de 2014

ACESSIBILIDADE





U
m amigo meu precisou ir num órgão do governo que faz carteiras de identidades (RG). Chegando lá, sentou-se para esperar sua vez. Observando as pessoas que iam ser atendidas antes dele, notou que a pessoa que estava sendo atendida no momento era alguém com necessidade especial de comunicação, não precisar se a pessoa era surda/muda, mas ela utilizava libras (língua dos sinais) para se comunicar.

A atendente estava completamente atarantada, nervosa e frustrada, pois não conseguia atender àquela pessoa. A situação estava realmente desagradável. De um lado uma pessoa cidadã, que precisava de um serviço do governo, do outro um servidor do governo que não tinha capacitação para atender a outra pessoa. Essa é uma situação muito complicada, pois esse tipo de serviço é obrigatório, tanto para o governo, que tem obrigação de prestá-lo, quanto para o cidadão, que é obrigado a utilizá-lo, afinal hoje em dia é inaceitável uma pessoa sem RG. 

A situação foi se mostrando imutável: a pessoa que atendia não conseguia atender à outra, e também não chamou alguém que o fizesse. Provavelmente não havia no local alguém capacitado para atender pessoas com esse tipo de necessidade especial. Meu amigo, observando tudo, e sentindo-se cada vez mais incomodado, resolveu superar sua timidez se levantar para ajudá-los. Ele tinha estudado um semestre de libras na faculdade e conseguia se comunicar, se não com fluência, mas com a eficiência necessária, com a pessoa que precisava ser atendida. Após poucos segundos ele conseguiu traduzir para a pessoa que estava atendendo qual a necessidade da outra, que era receber um RG que já tinha sido feito. Resolvido o problema ele voltou a se sentar para esperar sua vez de ser atendido.

Devo confessar que fiquei surpreso quando ele me contou isso. Não que eu tenha a ilusão de que o atendimento público seja eficiente e qualificado, porém eu imaginava que as pessoas que atendiam deveriam ter um pouco mais de jogo de cintura. Quem estava atendendo não teve a proatividade nem de pedir para que a outra pessoa escrevesse num pedaço de papel o que queria. Meu amigo disse-me que a pessoa que atendia estava muito nervosa, porém, isso não é desculpa.

Esse é só mais um dos milhares de exemplos diários que vemos por nosso país. No Censo do ano de 2000 um percentual de quase 15% de pessoas se declararam "deficientes" no Brasil**, isso significa que mais de 25 milhões de pessoas no nosso país possuem necessidades especiais, e que, infelizmente, o Brasil não é um país preparado para eles.

É frustrante que instituições privadas não tenham adaptações para atender pessoas com necessidades especiais (PNEs), mas que as instituições do governo também não as tenham é inaceitável. Em quantos bancos, por exemplo, é possível se encontrar alguém capacitado a atender pessoas com necessidades especiais de comunicação (surdos, mudos)? E agências dos Correios? Concordamos que esse tipo de serviço é básico para a sociedade, e mesmo assim essa parcela da população é simplesmente ignorada no momento da prestação desses serviços.

Uma amiga certa feita teve que fazer uma cirurgia na garganta e não poderia falar por um mês. Ela precisava trabalhar, ir a bancos, correios e mercados, mas, depois de uma experiência frustrante num banco, ela passou o restante do período trancafiada em casa. Já outra quebrou o pé e teve que engessá-lo por um mês. Ela, que costumava andar tranquilamente pela Universidade, me falou que agora (que estava com dificuldade de locomoção) percebia o quanto a Universidade era péssima para alguém que tivesse que andar de muletas constantemente.

Com toda essa política (de fachada) de inclusão deveria ser de estranhar que os órgãos públicos mostrem tamanha inabilidade em atender PNEs. Infelizmente a gente só se incomoda com uma situação quando ela está mordendo nossos calcanhares. É muito difícil notar um incômodo alheio, porém, devemos nos esforçar para notar esse tipo de situação, não porque o futuro é incerto, e qualquer pessoa pode adquirir uma necessidade especial, mas porque somos todos seres humanos, vivemos em conjunto, e é nosso dever prezar pelo bem estar da comunidade como um todo, não apenas do nosso.

** Ibge

Da uma força ai Fruta?

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